Neste texto vou abordar um tema que gera muitas dúvidas, mas que também ajuda muitos druidistas (1) e druidas aqui do Hemisfério Sul: a Roda Mista, que é uma forma bastante coerente de celebrar a Roda do Ano aqui abaixo do equador.
Cada vez mais pagãos brasileiros fazem a opção de seguir a Roda Mista, pois ela elimina alguns problemas de algumas pessoas que queriam inverter a Roda para não celebrar o solstício de verão em pleno inverno, mas não conseguia inverter a egrégora de Samhain, por exemplo.
A Roda Mista consiste em celebrar os festivais celtas (Samhain, Beltane, Lughnasadh e Imbolc) pelas datas originais do Hemisfério Norte, e celebrar os soltícios (verão e inverno) e equinócios (outono e primavera) pelas datas do Hemisfério Sul (invertendo, assim, em relação ao que é celebrado no Norte).
Na Roda Mista, a chegada das estações podem ser celebradas normalmente na data que a estação se apresenta aqui e ao mesmo tempo não se perde a egrégora e a energia das datas dos festivais celtas. Como exemplo bem típico, podemos citar o dia de finados, cristianização de Samhain, quando os ancestrais falecidos são honrados e também quando temos a famosa festa de halloween, que ocorre na mesma data e é Samhain com roupagem moderna. Muitos sentem dificuldade em chamar a energia de Beltane em começo de novembro, quando temos a energia de Samhain tão forte devido ao feriado de finados. O mesmo ocorre em maio: a dificuldade de celebrar Samhain numa época de casamentos, no mês das noivas.
Falando um pouco da minha experiência pessoal (pois a forma como encaramos a roda do ano é bastante pessoal), a Roda Mista foi a única forma com que eu consegui realmente me inserir na roda do ano e vivenciá-la plenamente. Quando comecei meu caminho pagão, eu rodava pelo Sul, para manter a coerência dos solstícios e equinócios, mas logo me vi com um problema: eu simplesmente não conseguia celebrar Beltane no dia de finados, indo ao cemitério com minha família levar oferendas aos meus ancestrais e com a chuva caindo lá fora (sempre chove em finados...). Achei bem mais fácil celebrar Samhain nessa data em vez de quebrar esse costume que eu tenho desde criança e que todos ao meu redor também praticam. Desde então eu não inverto mais os festivais celtas, pois todos eles continuam na forma de outras festas em suas datas originais. Finados e dia de todos os santos é Samhain (honra aos mortos e divindades - o que são os santos senão a prova do politeísmo ter continuado?). Maio é mês das noivas, tema de Beltane, que nos fala do amor sensual, da fertilidade. Imbolc, festa de Brighid, deusa da tríplice chama, está viva na forma da festa da candelária, também com a temática do fogo.
Vejam outro exemplo de como se pode trabalhar no Hemisfério Sul sem inverter os temas originados no Hemisfério Norte: a astrologia. O zodíaco é todo orientado pelo Hemisfério Norte e aqui no Hemisfério Sul ele não é invertido e os signos continuam fazendo sentido para nós. Podemos observar detalhes interessantes: escorpião, signo do mês de outubro/novembro (Samhain), é regido por plutão, que é o grego hades, senhor do mundo dos mortos (o Outro Mundo, tema de Samhain). Touro, signo do mês de abril/maio (Beltane), é regido por vênus, que é a grega afrodite, deusa do amor e sedução (temas de Beltane).
Já os solstícos e equinócios é necessário que se faça a inversão em relação ao Hemisfério Norte, para que as estações sejam celebradas com coerência, pois no solstício de inverno faz frio, no solstício de verão faz calor, no equinócio de primavera as árvores explodem em cores e no equinócio de outono, suas folhas morrem. Celebrar as estações pelo Hemisfério Norte (isto é, celebrar o solstício de verão em nosso inverno, por exemplo), nos impede de vivenciar plenamente a Natureza ao nosso redor.
Resumindo, ao seguir a Roda Mista, celebro os solstícios e equinócios pelo Sul e me concetro na paisagem externa, isto é, o que está acontecendo fora de mim, na paisagem ao meu redor. Ao celebrar os festivais celtas pelo Norte, me concentro na honra aos deuses relacionados às datas (Imbolc, Brigit; Lughnasadh, Lugh e sua mãe Tailtiu; Beltane, Belenos; Samhain, Morrigan e Dagda) e nos temas celebrados pelos celtas nessas datas (Samhain, honra aos ancestrais; Beltane, tempo de purificação, etc).
Andréa Guimarães
(1) druidista é aquele que segue o druidismo, sem no entanto seguir o caminho do sacerdócio. Druidista é o praticante do druidismo, enquanto que druida é o sacerdote do druidismo. O significado da palavra druidista vem do sufixo "ista" = aquele que tem uma crença, aquele que pratica uma crença (vemos o mesmo fenômeno nas palavras budista e hinduísta, os que praticam budismo e hinduismo sem serem, no entanto, monjes).